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Figurinha repetida? Crianças viciadas em bater bafo preocupam pais e especialistas

Febre da brincadeira continua, mas em casos exagerados pode ter ansiedade, competitividade e ausência dos pais como pano de fundo


Rafael, de 8 anos, adora bater bafo, mas pais colocaram limites Márcia Foletto

No quarto, eles tentam virar as figurinhas sozinhos. Assistem a vídeos para aprimorar as técnicas. Nos restaurantes, na falta de parceiro, tentam virar o sachê de ketchup. Andam com as mãos em concha e alguns já ganharam até mesmo calos. Se você convive com uma criança entre 8 e 10 anos no Rio, sabe do que se trata: é a febre do bafo.

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A Copa do Mundo do Catar é passado, mas o que começou com uma vontade de completar o álbum virou uma "obsessão", "vício" ou "mania", como dizem os pais, sem saber o que fazer. Novas cartas aparecem, de Pokémon, do Brasileirão, de campeonato europeu, não importa. O importante mesmo é ganhar no bafo.

Foi assim com Rafael Soares Arantes, de 8 anos. Primeiro surgiu o interesse em completar o álbum, aí vieram as trocas e a tentativa de ganhar no "bafão". Perdeu muitas figurinhas, foi passado para trás pelos mais velhos, foi treinando, vendo vídeos e aquilo foi crescendo.

— Ele é muito competitivo, e isso gera a emoção. Treinava vários tipos de técnicas para conseguir virar as figurinhas, via vídeos no Youtube, ele melhorou, agora é bom. Mas estava atrapalhando, estava meio obcecado, levava nas atividades extracurriculares e já teve períodos de só querer brincar com isso. Aí começamos a cortar, não deixamos mais levar para as aulas e falamos com a professora — conta a mãe de Rafael, a enfermeira Cintia Lustrosa Soares.

— Virou uma mania. As crianças têm a necessidade de pertencimento, então, o que um faz, o outro faz. Mas é uma fase e vai acabar passado.O lado positivo é que o bafo tira do computador, do celular, das telas, então interagem mais e aprendem a se autorregular.

A psicopedagoga, neuropsicóloga e coordenadora no Núcleo Especializado em Aprendizagem da Faculdade de Medicina do ABC (SP), Alessandra Bernardes Caturani Wajnsztein, vê com mais preocupação essa febre do bafo, embora em São Paulo não seja observada com a mesma dimensão. Para ela, a brincadeira pode revelar, em alguns casos, quadros de ansiedade:

— A ansiedade está alarmante. Muitas crianças nem querem sair para atividades de lazer, porque querem ficar em casa jogando videogame. Quando elas saem, muitas vezes mostram uma sensação de vazio, tédio e pressa. Então podemos estar experimentando crianças que, quando usam o ketchup para fazer bafo, não estão curtindo. E no pós-pandemia isso tudo piorou muito.

Quando a criança desenvolve calos na mão de tanto jogar é preocupante.

— Deixa de ser construtivo quando vem dor, deixa de ter uma funcionalidade de lazer. Está buscando uma alternativa, mas está disfuncional, porque está ansioso — alerta a psicopedagoga.

O neurologista da infância e da adolescência Rubens Wajnsztejn, diretor da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, alerta para outro aspecto preocupante dessa geração: a competitividade.

— Tem um dado importante que existe hoje, há muita competitividade. Na verdade, o bafo mudou um pouco de contexto do que se usava lá atrás para hoje. Por exemplo, antes pensava na qualidade da figurinha, no álbum, hoje é questão de quantidade: "Olha quanto eu ganhei". É uma forma de ascensão sobre os outros. Está menos lúdico e mais competitivo — diz.

O neurologista explica que passou a existir na última Classificação Internacional de Doenças (CID 11) o transtorno "game disorder", que vale para qualquer tipo de jogo. A Organização Mundial da Saúde passa a considerar o excesso de jogo quando a pessoa, adulto ou criança, deixa de fazer as atividades do dia a dia.

Os pais devem avaliar se notam outros tipos de mudança de comportamento, como alteração de sono, apetite e irritabilidade. São sinais de alerta. Se a criança joga bafo mas tem um comportamento normal em relação à socialização, à família e a outras atividades, especialmente atividade física e escolar, está tudo certo.


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