Um ex-secretário de Estado do Espírito Santo foi preso, nesta terça-feira (12), durante a Operação Decanter, que investiga fraude fiscal de R$ 120 milhões na venda de vinho no Estado. Rogélio Pegoretti, que ocupou a cadeira na secretaria da Fazenda, é suspeito de ter recebido propina, enquanto era secretário, para que o esquema desse certo.
A operação foi deflagrada pelo Ministério Público Estadual (MP-ES) e contou com parceria da Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz). Ao todo, sete mandados de prisão foram cumpridos, além de 24 mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Juízo da 6ª Vara Criminal de Vila Velha.
Já os outros seis mandados são referentes a cinco empresários do ramo atacadista e a um servidor de carreira da Sefaz.
Na prática, segundo as investigações, os empresários sonegavam em torno de 25% do ICMS devido, enquanto os contadores e intermediários responsáveis pelas operações simuladas recebiam comissões em torno de 4% do valor de cada nota fiscal.
Durante a operação, foram apreendidos R$ 135.650 e 545 euros (R$ 2.975) em espécie e R$ 38.944 em cheques, de acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), responsável pela investigação.
"É uma cadeia complexa e elaborada. A fraude provocou um prejuízo de R$ 120 milhões apenas nos últimos quatro anos. Mas sempre contamos com o apoio dos servidores da Sefaz, mesmo quando dois agentes públicos se tornaram suspeitos", explica Scalco.
As investigações em torno do esquema ganharam força no final de 2020. Rogélio pediu exoneração do cargo em agosto do ano passado, alegando problemas pessoais. Segundo Scalco, o ex-secretário estava sendo investigado desde quando ainda estava no cargo.
De acordo com o MP-ES, a investigação visa desarticular uma organização criminosa composta por empresários, contadores, "laranjas" e agentes públicos que atuavam em todo o Estado.
Até 80% de imposto na compra de vinho
Fraudes envolvendo tentativas de burlar os encargos para venda de vinhos, como a investigada pelo Ministério Público do Estado, chamam a atenção para um fato: a alta carga tributária que incide sobre os produtos.
No caso de garrafas importadas, o consumidor chega a pagar cerca de 80% em tributos, segundo especialistas. Já nos rótulos nacionais, cerca de 50% correspondem aos encargos tributários.
O advogado Marco Costa explicou que, no Brasil, as bebidas alcoólicas são consideradas produtos supérfluos, por isso o imposto que incide sobre os vinhos é mais alto, de uma forma geral.
"Quando se reduz o imposto de algum outro produto essencial, como alimentos, se eleva a carga tributária desses produtos que são considerados supérfluos. Por isso, o consumidor geralmente tem um impacto grande no valor".
Ele explicou que, em países como a Argentina, por exemplo, os produtos são tributados de outra forma. "É considerado um produto importante, com carga tributária muito baixa".
Ele revelou que um vinho Malbec, que sai na Argentina por cerca $500 (R$ 20), por exemplo, aqui no Brasil chega a custar R$ 900 a garrafa."
A advogada tributarista Sâmara Gomes revelou que sobre os vinhos, no País, incidem impostos como o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
"No caso de importados, ainda tem o imposto de importação, que encarece ainda mais o valor dos produtos. Temos vinhos nacionais que só a tributação corresponde a 55% do valor".Já em outros países, como da Europa, ela destacou que, além de uma forma de tributação diferente, esses produtos ainda são tratados como essenciais.
Por isso, muitas vezes, até mesmo um vinho brasileiro tem um valor menor na Europa. "Além de menor tributação, para exportar não tem cobrança. Já no Brasil, um produto de fora é altamente taxado ao entrar no País, para estimular o consumo nacional".
O advogado tributário Felipe Loureiro salientou que o custo de um vinho importado, em média, fica em 20% do total. "Dessa forma, os rótulos importados têm uma tributação direta estimada em 82,25%."
Federação do Comércio defende reforma tributária
Classificando o sistema tributário no País como complexo, o vice-presidente da Federação do Comércio do Estado, José Carlos Bergamin, destacou a necessidade de uma reforma ampla para simplificar as cobranças.
"Além das altas taxas cobradas, nossa situação tributária é complexa, principalmente pelas diferenças de tributação entre estados, criando um emaranhado de regras e com formas de operar muito distintas. Isso cria possibilidades de manipulações e atos ilícitos."
Para ele, além de encarecer produtos, de uma forma geral dificulta o trabalho de empresas que agem corretamente. "O Brasil precisa fazer uma reforma tributária de forma a simplificar tudo isso, facilitar a fiscalização e impedir práticas ilícitas, que só geram concorrência injusta para quem atua de forma correta".
Investigação
Com relação à investigação da suposta fraude envolvendo a venda de vinhos no Estado, Bergamin parabenizou os esforços das entidades envolvidas em desvendar e coibir esse tipo de prática.
"Isso contamina o nosso trabalho enquanto comerciantes e causa danos à sociedade".
O vice-presidente explicou que esse tipo de esquema fraudulento cria a possibilidade da concorrência injusta, já que geralmente produtos são vendidos com preços abaixo de outras empresas.
"Repudiamos esse tipo de situação, que prejudica a nossa competitividade, a qualidade do nosso trabalho e o nosso compromisso de distribuir para os consumidores aquilo que a indústria faz".
SAIBA MAIS
A operação
- A Operação "Decanter" foi deflagrada ontem pelo Ministério Público do Estado (MP-ES) por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf).
- A deflagração ocorreu em parceria com a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) e com o apoio operacional do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do Ministério.
- O nome da operação é uma referência ao decanter de vinho, objeto utilizado para deixar um determinado líquido mais puro, seja separando os sedimentos ou aumentando o contato com o oxigênio para mudar suas características.
- A investigação tem como objetivo desarticular uma organização criminosa composta por empresários, contadores, "laranjas" e agentes públicos, com atuação voltada à prática de fraudes fiscais no comércio de vinhos em todo o Espírito Santo.
Saldo da operação
- Estão sendo cumpridos sete mandados de prisão temporária, além de 24 mandados de busca e apreensão expedidos pelo Juízo da 6ª Vara Criminal de Vila Velha.
- Durante o cumprimento dos mandados, foram apreendidos R$ 135.650 e 545 euros, em espécie, e R$ 38.944 em cheques.
Prejuízo aos cofres públicos
- De acordo com estimativa da Secretaria de Estado da Fazenda, somente nos últimos quatro anos essa suposta fraude fiscal teria gerado um prejuízo aos cofres públicos do Estado na ordem de R$ 120 milhões.
- O MP acredita ainda que, nas próximas fases da operação, esse montante pode chegar a R$ 300 milhões.
- Os empresários, supostamente, sonegam em torno de 25% do ICMS devido, enquanto os contadores e intermediários responsáveis pelas operações simuladas recebem comissões em torno de 4% do valor de cada nota fiscal.
- Segundo o MP-ES, além do enriquecimento ilícito dos integrantes da organização criminosa, o esquema gera um prejuízo à livre concorrência e à economia como um todo, já que os empresários que cumprem suas obrigações tributárias não conseguem competir com os preços praticados pelos sonegadores.
E quem foi preso?
- Dos sete mandados de prisão expedidos, cinco já foram cumpridos. Outros dois ainda estão pendentes porque um dos empresários estava viajando e o outro está foragido.
- Dos cinco presos, apenas o nome do ex-secretário Rogélio Pegoretti foi revelado.
- O Ministério Público detalhou apenas que, entre os outros seis, cinco são empresários do ramo de atacado.
- O último nome é de um outro servidor da Sefaz. Porém, ele seria um servidor de carreira, e não da "alta cúpula". Ele chegou a ser citado pelo MP-ES como sendo auditor-fiscal.
- Sobre este servidor, a Sefaz, em nota, informou que "aguarda o recebimento do processo a ser encaminhado pelo Ministério Público para que as devidas providências sejam tomadas, além de reafirmar seu auxílio nas investigações e seu compromisso com a transparência".
ICMS "para frente"
- Para compreender a suposta fraude, é necessário ter em mente que o comércio de vinhos se sujeita à sistemática da substituição tributária "para frente".
- Ou seja, o fornecedor (vinícola ou importador) precisa recolher, de forma antecipada, o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS-ST) que antecipadamente incidirá sobre todas as etapas da cadeia de circulação da mercadoria.
- Em aquisições interestaduais, se por algum motivo o fornecedor não realizar o recolhimento antecipado, cabe ao adquirente fazê-lo, por ocasião da entrada da mercadoria em seu estoque.
ENTENDA
Por que o vinho no Brasil é mais caro?
- De forma geral, os vinhos no País são classificados como item supérfluo, com alíquotas de impostos mais altas que produtos alimentícios, considerados essenciais.
- A maior carga tributária é uma das formas do governo desestimular o consumo de bebidas alcoólicas no País.
Nacional x Importado
Sobre os vinhos, incidem impostos como ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias), PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
- No caso de vinho importado, ainda há impostos de importação.
Valores
- Estima-se que a carga tributária de um vinho importado no Brasil chegue a 80% do custo.
- Já um vinho nacional, em média 50%.
- O mesmo vinho em um país com tributação diferente, por exemplo, pode chegar a menos da metade do preço.