Daniel Soares Moreira, de 19 anos, é autista e faria o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pela primeira vez no último domingo (13), em Castelo, no Sul do Espírito Santo. Mas ele não conseguiu fazer a prova porque a equipe de aplicação dos testes não aceitou a documentação apresentada pelo estudante. A polícia foi chamada e ele foi retirado do local de aplicação.
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Daniel teve a carteira de identidade extraviada e, inicialmente tentou apresentar a Carteira de Trabalho Digital para ser identificado. No entanto, de acordo com o edital do Enem 2022, apenas são aceitas as versões digitais do e-Título, da CNH digital e do RG digital.
A mãe de Daniel, Elenir Moreira, revoltada com a situação, fez um vídeo que viralizou nas redes sociais mostrando o momento em que ela e o filho tiveram que sair da escola após o fechamento dos portões, sem que o Daniel pudesse fazer a prova (VEJA O VÍDEO, CLIQUE AQUI).
O estudante chegou com a mãe no Colégio João Bley, em Castelo, por volta de 12h e levou para a prova a Carteira de Trabalho Digital. Assim que chegou na escola, dois monitores já estavam no local esperando por Daniel para fazer a prova, já que por conta da necessidade específica, o atendimento para realizar o exame precisa ser especializado.
Quando Daniel apresentou o documento de identificação à equipe, recebeu a negativa.
"Os funcionários disseram que a carteira de trabalho apresentada era de nível bronze, mas disseram que ele teria que ter um nível prata ou ouro para poder fazer a prova. Segundo a orientação deles, pra poder subir o nível para prata ou ouro ele [Daniel] precisaria ter uma conta bancária, mas como era domingo, não seria possível fazer essa mudança", explicou a mãe, em entrevista ao g1.
A advogada da família de Daniel, Roberta Louzada, disse que tentou entrar em contato com o Inep com pelo telefone 0800, que foi o telefone informado na portaria da escola, mas o número não funcionava.
Roberta disse que tentou ligar cinco vezes e gravou as ligações, mas que não conseguiu nenhum retorno do Inep. Enquanto isso, ela orientava a mãe para que continuasse na escola, para não sair até os portões serem fechados.
Os funcionários não aceitaram nenhuma documentação e quando chegou o horário do fechamento dos portões, 13h30, Daniel e a mãe foram orientados a sair da escola.
Elenir disse que não iria sair e então os funcionários acionaram a polícia para a retirada da mãe e de Daniel.
Após a chegada da polícia, a mãe gravou um vídeo mostrando o momento da saída deles, com o filho frustrado por não conseguir fazer prova.
O policial que acompanhou Daniel até a saída da escola disse que o rapaz poderia tentar fazer a prova no ano seguinte. A mãe de Daniel falou que o agente se emocionou com a situação. No vídeo, ela e o filho conversam sobre a frustração em não poder fazer a prova.
"Elenir: Daniel como você se sente?
Daniel: Enganado, isso é propaganda enganosa
Elenir: Você estudou pra prova?
Daniel: Estudei
Elenir: O que que você queria hoje?
Daniel: Passar no Enem"
"Nós estamos agora, os responsáveis chamaram a polícia e eles estão aqui pra retirar o Daniel e eu da escola porque realmente ele não pode fazer a prova, vai ser impedido de fazer a prova. Vocês não tem culpa não mas eu preciso mostrar, porque no mundo em que os jovens estão se perdendo nas drogas, um aluno autista é retirado da escola e não vai poder fazer. Eu só quero divulgar isso" disse a mãe no vídeo.
O que diz o Inep
No edital do Enem consta que o participante impossibilitado de apresentar a via original de documento oficial de identificação com foto nos dias de aplicação por motivo de extravio, perda, furto ou roubo poderá realizar as provas desde que:
10.4.1 apresente boletim de ocorrência expedido por órgão policial há, no máximo, 90 dias do primeiro dia de aplicação do Exame; e
10.4.2 submeta-se à identificação especial, que compreende a coleta de informações pessoais.
Questionado sobre o ocorrido com o Daniel o Inep respondeu qual a documentação é permitida para ser apresentada na hora de fazer a prova, mas não respondeu sobre Daniel ter mostrado o boletim de ocorrência sobre a carteira de identidade extraviada.
Outro aluno no Espírito Santo também não conseguiu realizar o Enem porque não aceitaram o boletim de ocorrência.
Jovem autista de 19 anos não conseguiu fazer a prova do Enem — Foto: Reprodução/Redes sociais
Elenir contou que entrou com recurso para o filho conseguir fazer a prova do Enem de forma oral, já que o rapaz é autista, e que Daniel estava empolgado para fazer a prova pela primeira vez.
"O Daniel ficou muito triste. Aluno de escola publica, anos de bullying na escola, até o entendimento do que é autismo , ele queria fazer o Enem com a turma de terceiro ano. Ele falava que ia fazer uma coisa igual aos amigos. Ele fez simulado, estudou, fez contagem regressiva pra fazer o Enem. Foi muito frustrante não fazer a prova. Agora ele disse que não vai mais estudar e só quer trabalhar", disse a mãe.
A mãe explicou que descobriu que o filho era autista quando Daniel tinha dois anos, mas o laudo só chegou quando ele tinha 10.
A relação do Daniel com os estudos sempre foi complicada, mas que de uns anos pra cá o filho estava focado em entrar para a faculdade.
"Ele tava sonhando com a faculdade, ele quer fazer informática, ele é muito bom com computadores, ele tem dificuldade com a escrita mas tem uma mente brilhante. Demorou até descobrirmos que o Daniel aprendia o conteúdo mas que não conseguia escrever. Foi muito difícil pra ele pegar o ritmo na escola, só no Ensino Médio que ele conseguiu dar essa destravada. Esse ano de Enem foi o único ano que eu vi meu filho gostar de estudar", desabafou a mãe.
"Conforme previsto nos editais do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022, é obrigatória a apresentação de via original de documento oficial de identificação com foto para a realização das provas. Os instrumentos elencam quais os documentos são válidos, conforme abaixo :
a) Cédulas de Identidade expedidas por Secretarias de Segurança Pública, Forças Armadas, Polícia Militar e Polícia Federal;
b) Identidade expedida pelo Ministério da Justiça para estrangeiros, inclusive aqueles reconhecidos como refugiados, em consonância com a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997;
c) Carteira de Registro Nacional Migratório, de que trata a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017;
e) Identificação fornecida por ordens ou conselhos de classes que por lei tenha validade como documento de identidade;
f) Passaporte;
g) Carteira Nacional de Habilitação, na forma da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997;
h) Carteira de Trabalho e Previdência Social emitida após 27 de janeiro de 1997.
i) Documentos digitais (e-Título, CNH digital e RG digital) apresentados nos respectivos aplicativos oficiais.
Em 2022, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) incluiu três tipos de documentos digitais para identificação dos participantes. São eles: e-Título, CNH digital e RG digital. Os editais especificam ainda que não serão aceitos documentos que não estejam listados. Vale destacar que a novidade foi amplamente divulgada nos canais de comunicação do Instituto.
Por fim, cabe esclarecer que a não realização da prova por ausência de apresentação de um documento de identificação válido, de acordo com os editais, não habilita o participante a pleitear a reaplicação do exame."
G1