Queimadas em cidades como Ribeirão Preto e Sertãozinho devem gerar prejuízo de pelo menos 15% na safra da região
Imagine um campo de futebol. Agora, multiplique essa extensão 30 mil vezes. Esse é o tamanho do estrago causado pelo fogo em plantações de cana-de-açúcar apenas no Oeste de São Paulo, em 80 dos 645 municípios do estado, no intervalo de três dias. Ainda é cedo para mensurar a totalidade dos prejuízos, alerta a Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canoeste), mas cálculos iniciais já indicam o caráter histórico dos incêndios.
Um levantamento preliminar da Canoeste — que representa 150 mil hectares de cana, de 2 mil produtores rurais — aponta que as queimadas em canaviais, registradas entre quinta-feira (22) e sábado (24), devem representar queda de pelo menos 15% na safra deste ano. Na lista, cidades como Ribeirão Preto, Sertãozinho, Cravinhos, Serrana e Bebedouro.
Almir Torcato, diretor-executivo da associação, afirma que a conjuntura é inédita.
— Estamos correndo para levantar os dados. Temos 15 agrônomos em campo, demarcando as áreas atingidas. Mas, até o momento, já sabemos que mais de 30 mil hectares de produtores da nossa região foram queimados. É um número absurdo. Para se ter um parâmetro, cada hectare corresponde a um campo de futebol — pondera.
A colheita de cana acontece, todos os anos, entre os meses de abril e novembro. Até agosto, conta o diretor, tudo corria dentro da normalidade, mesmo diante da seca e do baixo volume de chuva.
— É natural que, nesta época do ano, haja algumas ocorrências de focos de incêndios. Condições de umidade do ar abaixo de 30%, ventos fortes e temperaturas maiores que 30 graus deixam o terreno fértil para que isso aconteça. Mas não nas proporções em que eles ocorreram.
Diante da situação anormal, Almir afirma que a suspeita é de que o fogo tenha começado devido à ação do homem, e não por causas naturais.
— Encontramos focos a cada a cada três quilômetros, todos começando ao mesmo tempo. Não temos como comprovar nada. Ainda assim, a maneira como aconteceu me leva a acreditar que houve interferência humana — defende o especialista em Gestão Estratégica do Agronegócio.
Nesta segunda-feira (26), o governo de São Paulo declarou que 99,9% dos incêndios no estado são resultado de "atividade humana".
— Há quem diga ainda que o fogo é intencional. Essa era uma prática comum na década de 1980, quando existia a cultura de colocar fogo em cana-de-açúcar. Hoje, a colheita é feita de forma 100% mecanizada. Não há nem gente para colher cana. Esse método já não é aplicado há mais de 15 anos — assegura Torcato.
Mais do que perdas imediatas, danos gerados por incêndios em produções de cana-de-açúcar podem perdurar a longo prazo. Segundo Torcarto, mesmo aqueles que já finalizaram a colheita este ano estão ameaçados. Isso porque que os efeitos podem ser sentidos na safra 2025/2026.
— A cana é plantada uma vez e, depois que ela brota, é feita a colheita. A partir daí, faz-se o trato do adubo e ela brota novamente. Esse processo de broto e colheita se repete a cada cinco ou seis safras. Da forma como o fogo atingiu as raízes, ela não rebrota. É preciso implantar um novo canavial inteiro, que é o investimento mais caro que temos — explica.
Assim como grande parte dos produtores rurais da Canoeste, Gabriel Merlo Galdeano, de 30 anos, é um trabalhador autônomo. Desde a adolescência, ele planta cana no sítio da família, localizado em Sertãozinho, e vende as colheitas para as usinas do entorno.
— Nos incêndios de sexta e sábado, perdemos 100% da nossa área. Eram 150 hectares. O vento estava acima dos 100 km/h e não conseguimos controlar o fogo. Graças a Deus, já tínhamos feito a colheita deste ano. Mas não sei como vai ficar a do ano que vem. Provavelmente, vamos ter que refazer parte da plantação. Agora, é esperar para ver se vamos ter prejuízos — lamenta o produtor.
Há 14 anos na profissão, Gabriel reforça que a estiagem não é suficiente para ocasionar incêndios tão grandes como os que devastaram a área rural de Sertãozinho.
— Foi incêndio criminoso, sem dúvidas. O fogo não se alastra sozinho, por mais seco que esteja — garante.