Plataformas fazem ligação entre estabelecimentos e consumidores, mas é preciso ficar atento para comprar na medida certa e não perder itens alimentícios
A inflação que vem corroendo a renda das famílias brasileiras, principalmente, a de alimentos, que chegou a 13,51%, em 12 meses fechados em maio, tem impulsionado novos negócios que conectam a indústria aos consumidores, garantido preços até 70% mais baixos para produtos com validade prestes a expirar, numa espécie de "xepa on-line".
Os aplicativos, desenvolvidos por start-ups, além de proporcionar uma diminuição no desperdício de alimentos e nas perdas das empresas, chegam a reduzir em mais de 60% o desembolso com compras de quem passou a fazer sua lista a partir das ofertas diárias. Quanto mais próxima a data da validade, os produtos estão de 60 a 10 dias do vencimento, mais barato.
— Gastava quase R$ 2 mil por mês com comida. Conforme tudo foi ficando mais caro, não conseguia arcar mais com esse valor. Quando vi o anúncio achei que fosse mentira. Agora, nem sei mais o que é ir ao mercado, estou gastando cerca de R$ 700 — diz a manicure Joana Darc Sobrinha.
Segundo Eduardo Yamashita, diretor de Inteligência de Mercado da MosaicLab, em todas as crises o consumidor vai atrás do varejo de valor, na tentativa de manter seus hábitos a um custo menor:
— E isso acontece no mundo todo nesse contexto inflacionário. Esse tipo de promoção já era feita no varejo tradicional. As ferramentas digitais potencializam essas ofertas, não é só cliente que entra no mercado aquele dia que tem acesso e ainda dá mais transparência a razão do desconto. O desafio desse negócio é a logística para distribuição rápida e barata para ter ofertas atraentes.
A consultora de RH, Mylene Mitrulis compra de café a carne, passando por manteiga, leite e mussarela pelo aplicativo. Com o novo hábito reduziu em 40% o gasto com compras.
— Compro leite entre R$ 2 e R$ 3, manteiga que pagava R$ 11 por R$ 8, o quilo do filé mignon sai por R$ 66 com vencimento em dez dias. Consigo economizar com muitos produtos e reduzi minhas idas ao mercado a cada 15 dias — conta Mylene.
Criado como um projeto de faculdade por Luis Borba, em 2019, para reduzir o desperdício de alimentos, o app Super Opa cresceu nada menos que 400% de 2021 para 2022 em downloads e faturamento. As entregas andam a todo vapor no interior de Rio, Minas Gerais e em mais de 500 cidades de São Paulo fazendo a conexão direta entre distribuidor e consumidor final.
Na lista de itens mais procurados estão carne, cerveja, leite, arroz e óleo. Mas as proteínas são disparado o item mais pesquisado no app, em especial por clientes das classes D e E. Nos últimos meses, no entanto, as vendas para as classes B e C estão em alta.
— Inauguramos um centro de distribuição em janeiro em Campinas, interior de São Paulo, que serve como ponto de recebimento de grandes cargas da indústria. As mercadorias ou vão para casa do cliente com frete no valor único de R$ 13,99 ou eles buscam as compras em pontos de retiradas— explica Borba, CEO do Super Opa.
A estratégia da start-up, que contabiliza mais de 220 mil clientes, é expandir o negócio para capitais de Rio e Minas. Para tanto fará uma rodada de investimento para captar R$ 10 milhões.
Criada em 2021, a start-up Food To Save tem como principal estratégia intermediar produtos com validade próxima do vencimento entre o comércio e o cliente final.
São sacolas surpresas com pães, chocolates, pizza, com descontos de até 70%. Em 2021, a empresa cresceu 300%. Já negociou 150 mil sacolas e movimentou mais de R$ 1,8 milhão.
—Nascemos em São Paulo capital, fomos para Campinas, no interior do estado e, recentemente, há 40 dias, chegamos no Rio de Janeiro — conta Lucas Infante, CEO da start-up. que já tem 8 parceiros.
Já o Souk, criado em 2018, tem como clientes 27 mil varejistas. São pequenos comércios, a maior parte deles nas regiões Nordeste e Sudeste.
— Nossa estratégia é fazer com que esse alimento ainda próprio para consumo chegue na despensa dos pequenos comerciantes com preço bom e, assim, à mesa do consumidor— diz Roberto Angelino Filho, CEO da Souk Brasil.
Graziela Fortunato, especialista em finanças pessoais e coordenadora do MBA de Finanças Corporativas da Escola de Negócios da PUC-Rio, diz que o grande risco para o consumidor ao usar esses apps é se empolgar com os descontos e acabar comprando mais do que deveria:
— Se comprar mais porque está mais barato, perde toda a economia. Além disso, pode acabar jogando produto fora que não conseguir consumir no vencimento, que é curto.
Aline Borges, presidente do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (Ivisa-Rio), destaca ainda que consumir produtos depois da data validade, no caso dos alimentos, é um risco à saúde, e no caso de produtos como sanitizantes, eles podem não ter a mesma eficácia.
Atenção à lista: Para fazer de fato economia, a orientação é não cair na tentação de comprar itens demais ou produtos mais caros por causa do desconto.
Validade: Ao comprar produtos perto do vencimento, pense no seu hábito de consumo para não levar itens sem tempo hábil para usar.
Risco: A validade dos alimentos é o prazo que a indústria garante que o produto não oferece risco à saúde do consumidor. Mesmo não estando aparentemente estragados, após o vencimento os alimentos podem não ser seguros, dizem especialistas.
Eficácia: No caso de produtos como os de limpeza, após a data de validade a eficácia não é garantida. Por exemplo, não se pode garantir que o álcool 70% terá efeito sanitizante.
Embalagens: Mesmo dentro da validade, produtos com embalagens danificadas ou amassadas podem não estar próprios para consumo.