O vereador de Cuiabá, Marcos Paccola (Republicanos-MT), que é tenente-coronel da Polícia Militar, ensinou aos alunos de um curso de defesa pessoal, ministrado aos servidores do Judiciário de Mato Grosso, em 2019, que não é errado atirar em uma pessoa armada pelas costas. Ele é investigado por matar o agente socioeducativo Alexandre Miyagawa, de 41 anos, na última sexta-feira.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra trecho de uma aula em que Paccola explica para a turma que não dá tempo de falar com uma pessoa armada e em atitude suspeita.
— Por mais treinamento que eu tenha, não vai dar tempo. Então, se ele chegar [dizendo] 'perdeu' não vou entrar numa situação com ele, achando que vou conseguir desviar e fazer um 'matrix'. Se estou em uma situação e ele está de costas, esse elemento está armado, ou você não saca ou se você sacar atira até o alvo cair. E quantos tiros eu dou? Até cair — disse.
O método orientado pelo vereador aos alunos se assemelha ao utilizado por ele na última sexta-feira, que resultou na morte do agente socioeducativo, em uma rua no centro da capital mato-grossense. A vítima estava com a namorada e tinha acabado de descer do carro quando foi atingida pelos disparos e morreu no local.
Por meio de sua assessoria, o parlamentar informou que essa instrução foi específica para os magistrados que faziam o curso e que o contexto da orientação é em caso de assalto, quando o criminoso representa ameaça à vítima.
Paccola deu vários cursos de "noções de direção defensiva e evasiva, e também noções de sobrevivência urbana e tiro", em 2019. Esses treinamentos tiveram o apoio da Escola Superior da Magistratura (Esmagis) do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), segundo a assessoria.
Mulher da vítima nega que sofria ameaça
Logo depois da morte do servidor público, o vereador emitiu uma nota dizendo que estava passando pela região quando foi informado que havia um homem armado ameaçando matar uma mulher. Ele alegou que mandou que Miyagawa a soltasse e que a vítima teria reagido e atirado. E diz ter agido para defender Janaína Sá, a namorada do agente socioeducativo. A testemunha, contudo, contestou essa versão.
Em vídeos publicados no Instagram, Janaína negou que estivesse sendo ameaçada e argumentou que o vereador já chegou atirando, acertando a vítima pelas costas.
Ainda na sexta-feira, o parlamentar se apresentou à Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), prestou depoimento por cerca de quatro horas e depois foi liberado por ter se apresentado espontaneamente.
Imagens de câmeras de segurança capturaram o momento da morte do agente socioeducativo. Ele estava em meio a uma confusão na rua porque a namorada tinha entrado na contramão e algumas pessoas que presenciaram a infração de trânsito estavam revoltadas.
O vereador aparece com a arma em punho e atira em Miyagawa, quando ele estava com as mãos para baixo e de costas. A vítima cai e morre. Várias pessoas testemunharam a cena.
Janaína disse, nos vídeos postados no Instagram, que eles entraram na contramão porque ela queria usar o banheiro de uma distribuidora de bebidas que fica naquela rua.
Algumas pessoas começaram a xingá-la por conta da manobra com o carro, mas a mulher contou que as ignorou e que seguia para o estabelecimento, quando o namorado que estava logo atrás dela foi baleado.
"O Japa (Miyagawa, cujo apelido é Japão) tem mania de andar com a mão na camisa, mania de policial, tipo fazendo guarda atrás de mim, e disse: 'amor espera'. Depois disso eu só vi ele caindo no chão", relatou em depoimento. Ela garante que o namorado não estava com a arma nas mãos e que segurava um aparelho de celular.
"Se ele estivesse com a arma na mão, como o vereador está falando, a arma estaria lá (no chão) quando ele caiu, mas estava na cintura. Então, depois de morto, a colocou na cintura?", questionou.
'Sou policial'
Na sessão da Câmara de Vereadores de Cuiabá de terça-feira (5), Paccola declarou que tem mais de 3 mil horas de curso de tiro, citou uma passagem bíblica e direcionou parte da fala aos policiais militares.
— Não se abalem, não esmoreçam. Infelizmente, nessa situação, algumas pessoas dizem que eu não sou policial, que sou vereador, mas eu estou vereador, eu sou policial e irei morrer policial. Sou policial 24 horas — afirmou.
O afastamento dele já foi solicitado pela vereadora Edna Sampaio (PT), a qual afirmou que, depois do que houve, sente medo de conviver com o parlamentar. O pedido de investigação por quebra de decoro parlamentar está em tramitação. A Câmara de Vereadores pediu à polícia para ter conhecimento dos detalhes da investigação.
O Globo