Contenção de gastos ocorre no mesmo momento em que o Inpe registra um aumento de focos de queimada. Instituto diz que já empenhou mais de 80% do valor orçado
Em um ano marcado por taxas elevadas de desmatamento e queimadas, o governo federal está investindo abaixo da média em ações para inibir a devastação florestal na Amazônia. Principal órgão federal de fiscalização ambiental, o Ibama executou 37% do orçamento reservado para ações de monitoramento, prevenção e controle de incêndios florestais até o dia 6 de setembro — desembolsou R$ 20 milhões de um montante de R$ 52,75 milhões.
Os dados foram extraídos do Painel do Orçamento Federal (Siop), do Ministério da Economia, e divulgados pelo Observatório do Clima. A contenção dos gastos ocorre no período da seca em que tradicionalmente aumenta a incidência de queimadas nos biomas brasileiros, sobretudo na Amazônia.
Este ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) computou 18.374 focos de incêndio na Amazônia entre 1º e 7 de setembro. O número supera as ocorrências de incêndio registradas em todo o mês de setembro em 2021, de 16.742 focos.
Em 2021 e 2020, a execução do orçamento previsto para a prevenção de incêndios florestais ficou em torno de 70 a 75%.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, alertou que é "tarde demais" investir em ações para prevenir incêndios em setembro, no auge da seca na Amazônia.
— É totalmente inefetivo fazer isso agora. Era preciso ter havido campanhas de conscientização da população local, capacitação de brigadistas e um trabalho focado na identificação das áreas mais propensas ao fogo para fazer o seu manejo — enumerou.
O Ibama informou em uma nota que empenhou 83% do orçamento total para a prevenção e combate a incêndios florestais. "Vale destacar que empenho é o compromisso de pagamento utilizado na administração pública e a liquidação somente ocorre conforme os contratos e serviços são executados e finalizados", diz o órgão ambiental.
Ex-presidente do Ibama na gestão de Michel Temer, a advogada Suely Araújo rebateu o argumento, dizendo que a política pública só é "concretizada de fato" a partir da liquidação, e não do empenho.
Para ela, a liquidação efetivada num patamar abaixo da metade do valor orçado indica uma "ação insuficiente" do governo Bolsonaro em coibir os incêndios florestais.
— Está se gastando menos do que deveria ao longo do ano e em plena época do fogo — disse Araújo. — Uma amostra de que a prevenção está insuficiente é que a área queimada em 2022 está bem maior do que no ano passado — acrescentou, citando o aumento de 41% da área queimada na Amazônia de janeiro a julho de 2022 ante o mesmo período de 2021.
Segundo os especialistas, o trabalho preventivo do Ibama deve ocorrer nos meses de abril e maio, antes da chegada da seca. Nessa época, equipes de brigadistas vão a áreas com mais potencial de queimada para montar os chamados "aceiros", uma barricada contra incêndios em que se isola e retira a vegetação que pode servir como combustível para o alastramento do fogo.
Diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar avaliou que a situação em 2022 só não está pior porque a Amazônia ainda está sob efeito do fenômeno La Niña, que ainda mantém a umidade no bioma, apesar da escassez de chuvas.
— Isso contribuiu para que não tivéssemos um apocalipse na Amazônia --- afirmou. Alencar ainda apontou duas razões principais para a incidência de queimadas na Amazônia neste período: desmatamento para a abertura de áreas de plantação e criação de abertura de pastagens.