No leque de novas e modernas soluções aberto por drones, o uso para aplicação mais precisa de agrotóxicos nas plantações vem sendo bem quisto por produtores rurais. No entanto, a tecnologia também foi denunciada como uma arma hostil dentro de uma disputa fundiária na zona da mata do sul de Pernambuco. Segundo moradores de comunidades rurais, os drones estão lançando veneno em suas plantações, trazendo prejuízo à população. No ano passado, uma portaria do Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (Mapa) reduziu a distância mínima permitida entre pulverização aérea de agrotóxicos e um povoado, o que gerou questionamentos entre especialistas. Desde então, foram registrados 72 operadores e 500 drones para fins agrícolas.
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Em Jaqueira (PE), a propriedade da antiga Usina Frei Caneca, de cana de açúcar, é alvo de conflitos entre antigos funcionários da usina - que com o passar das décadas passaram a ter termos de posse de seus pequenos sítios - e novos compradores das terras. Desde 2015, a antiga proprietária começou a arrendar frações da propriedade, mas a presença dos cerca de mil posseiros fez com que a situação terminasse na justiça.
Com a hostilidade entre as partes deflagrada, os antigos moradores desconfiaram da presença de drones disseminando agrotóxicos em suas próprias lavouras. Eles acusam a empresa Agropecuária Mata Sul, compradora de grande parte das terras da usina, de serem os responsáveis pela ação.
— Drone era algo que fascinava, agora é algo que gera medo. Aqui nessa região víamos quando tinha grandes eventos culturais. Para jogar veneno ninguém nunca tinha visto — afirma Lenivaldo Lima, coordenador da Pastoral da Terra no Pernambuco, que acompanha o conflito daquela região.
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Segundo os moradores, em setembro houve a primeira aparição dos drones, quando quatro deles foram flagrados fazendo os despejos, nas comunidades dos Engenhos Barro Branco e Caixa D"Água. Desde então, a disseminação já teria atingido metade de todo o território, que é dividido em cinco grandes colônias, e boletins de ocorrência foram feitos na delegacia.
— Está correndo um inquérito policial, com perícia. Os trabalhadores, que têm essa experiência no campo, identificaram que seria agrotóxico. Dizem que misturaram vários produtos diferentes — afirma Lima, que lista os prejuízos. — Árvores morreram, vemos pé de cajá e de banana secando, assim como de várias pequenas hortas. Houve até casos de animais e pessoas passando mal. No início de novembro, houve nova pulverização, que atingiu a horta da escola, e crianças se sentiram mal.
Os moradores contam, ainda, que ninguém da empresa nunca se apresentou, oficialmente, para tratar do assunto. Enquanto isso, o temor de novos ataques cresce entre as comunidades. No município de Maraial, a nove quilômetros de distância, onde fica outra antiga colônia da usina de cana, os agricultores familiares dizem que suas plantações já vêm sendo afetadas pelos drones.
Nesse caso, porém, a disputa de terra envolve outra empresa de pecuária, que comprou o terreno onde viviam cerca de 70 famílias há dois anos. Desde então, em meio a denúncias de assédios e hostilidades, metade dos moradores deixou o local. Atualmente, são contadas 30 famílias, e 10 delas estão na justiça. Um morador, que pediu para não se identificar, disse que há dois meses drones começaram a aparecer nas proximidades, mas não exatamente nas áreas de lavouras dos posseiros. Ainda assim, os produtos químicos, empurrados pelos ventos, teriam afetado plantações de banana, macaxeira, abacaxi, feijão, entre outros.
— O veneno mata tudo, até as embaúbas (árvore de grande porte). Os drones passam a 200, 300 metros do nosso sítio, mas o vento traz para perto. Estamos com medo que aconteça igual em Jaqueira — disse o morador. — O certo era ter mais fiscalização. Boa parte do meu feijão morreu, isso nunca tinha acontecido antes. Sobrevivemos disso, somos famílias pobres.
Procurada, a Agropecuária Mata Sul disse que não poderia dar detalhes nas suas respostas por causa do inquérito policial que corre em sigilo. No entanto, admitiu que "contratou empresa especializada para a utilização do drone" para fins agrícolas e negou "disseminação de veneno", além de defender sua "grande preocupação ambiental". A Mata Sul disse que não é a responsável pela operação do drone e queixou ser "alvo de notícias sensacionalistas, desprovidas de qualquer prova e longe da verdade real, buscando unicamente denegrir sua reputação em detrimento de todo o desenvolvimento que promove na região, seu intenso trabalho social e ambiental sendo certo que a empresa se mantem inabalável na convicção de promover a geração de emprego e renda".
Os conflitos na região vêm sendo acompanhados pelo estado. Por causa da situação, a secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco (SJDH) prometeu criar um "protocolo que viabilize o processo de coleta e análise das amostras da área (solo, água, lavouras)". A pasta informou que vem apurando as denúncias, através de seu Programa de Prevenção de Conflitos Agrários e Coletivos, e "realizando articulações com órgãos públicos cuja competência é voltada a ações de saúde do trabalhador, de recursos hídricos, fiscalização agropecuária e policiamento do meio ambiente, bem como, com representantes dos movimentos sociais."
Legislação foi alterada recentemente
A pulverização aérea de agrotóxicos é, há tempos, um tema polêmico no meio rural. Em 2008, uma norma do Ministério da Agricultura estabelecia uma necessidade de distância mínima de 500 metros, em relação a povoados, para que o uso de aeronaves fosse permitido no lançamento de pesticidas. Além disso, muitos estados têm legislação própria e alguns inclusive proíbem a pulverização aérea.
Entretanto, com o advento dos drones, as normas passaram a ser revistas. No ano passado, a portaria 291/2021, do Mapa, reduziu as distâncias mínimas para operações aplicadas por aeronaves remotamente tripuladas (os drones) para 20 metros de povoações, cidades, vilas e bairros. Nessa portaria, são dadas as obrigações para que um produtor use o drone: homologação da aeronave pelo Mapa e pela Anac, além de ter licenciamento ambiental prévio e relatórios mensais de operações.
Desde que a nova portaria foi publicada, foram registrados 72 operadores de drones no Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (SIPEAGRO), informou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ao GLOBO. Já a ANAC informou um número de 500 drones "para fins agrícolas" registrados em seu sistema.
Professor de engenharia agrícola da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ronilson Santos explica que os drones podem reduzir custos e perdas de colheitas nos campos, por proporcionar uma aplicação mais precisa de agrotóxicos. No entanto, apesar de destacar os benefícios, acredita que seria mais prudente a realização de mais testes antes de uma redução tão drástica nas regras de distanciamento.
— Acho que precisavam dar uma faixa de segurança maior. É preciso ter cautela, fazer ensaios, ver o que pode acarretar. Não sei qual foi o critério usado, mas precisava ser bem avaliado, para ver o que essa faixa de 20 metros vai proporcionar — disse Santos.
No dossiê "Agrotóxicos e violações de direitos humanos no Brasil", da Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela vida, e da ONG Terra de Direitos, os pesquisadores apontaram que "ainda há um longo avanço normativo a ser adotado pelos estados brasileiros no que se refere à vedação ou restrição à pulverização de agrotóxicos por aeronaves ou drones."
Além dessas novidades, o país pode ter um aumento no uso de agrotóxicos de forma geral. Nesta segunda (19), a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou o projeto de lei que flexibiliza as exigências para utilização de agrotóxicos. O texto, que agora precisará passar pelo plenário, já foi aprovado pela Câmara, e prevê que os produtos químicos sejam analisados apenas por um sistema digital do Ministério da Agricultura, mas parlamentares contrários à mudança pedem que seja incluída a exigência de análise por órgãos também de saúde e do meio ambiente.
Presidente da Associação Nacional Agroecologia do Rio Grande do Sul, o agrônomo Fabio Machado elogia a presença dos drones nas plantações. Segundo ele, a tecnologia garante uma aplicação mais precisa dos agrotóxicos, impedindo, inclusive, o risco dos produtos químicos voarem até lavouras vizinhas.
— Esses drones voam em cima da cultura, praticamente encostando nas folhas, para aplicação muito pontual. Com a pulverização antiga, existe o que chamamos de deriva dos produtos, que é a força do vento levando a aplicação para longe, o que causa problema. Mas com o drone, a deriva é praticamente zero -- explica Machado, que diz que as pulverizações aéreas demandam cumprimento de regras específicas. — O uso dos drones está se difundindo bem, sendo bem aceito. A questão é que, pela menor autonomia de voo, ainda não conseguem voar uma área tão grande, então continuam usando pulverizador terrestre.
Procurada, a Anac explicou que há cerca de 500 drones "para fins agrícolas" registrados e incluídos no Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial (RBAC-E) nº 94, que segue as regras dadas na portaria do Mapa. A Anac acreecentou, porém, que novos critérios para operações de aplicação de agrotóxicos estão sendo revisados, e que casos criminosos, como os denunciados em Pernambuco, são combatidos pelos órgãos de segurança
Já o Mapa informou que denúncias sobre mau uso são tratadas pelo " corpo técnico das Superintendências Federais nos Estados", e que o operador está "sujeito a multa, suspensão ou cancelamento do registro".