O calor intenso que atinge o Espírito Santo e o resto do Brasil tem colocado especialistas em agricultura e pecuária em alerta em todo o Estado, uma vez que os impactos do clima quente podem trazer graves consequências aos setores.
Dentre as preocupações mais recorrentes do setor de agricultura, está a qualidade dos produtos e das safras, já que a onda de calor pode afetar diretamente o cultivo e o desenvolvimento dos frutos e hortaliças.
Segundo Elídio Torezani, diretor da empresa Hydra Irrigações, até mesmo plantas irrigadas podem ter seu desenvolvimento comprometido durante a onda de calor intenso.
De acordo com ele, as temperaturas estão cerca de 5 graus acima da média para esta época do ano, mas o que causa grande preocupação é a umidade relativa do ar estar muito baixa para o período.
"Bom, a gente tem observado nos últimos dias, e parece que isso vai se prolongar por mais um tempo, temperaturas extremamente altas. Parece que é alguma coisa em torno de 5 graus acima da média para essa época do ano. Mas um fator muito agravante que é a umidade relativa do ar muito baixa. Essa combinação de temperatura extremamente alta com umidade relativa do ar extremamente baixa se assemelha a um clima desértico", disse.
Ainda de acordo com ele, isto colabora para que as plantas murchem, uma vez que mesmo com água abundante no solo, o calor exige que transpirem mais. Isso dificulta a reposição de água nos tecidos vegetais, o que causa uma descompensação fisiológica.
Portanto, sem conseguir repor a água, as plantas crescem menos, assim como os grãos, e a tendência é que os frutos amadureçam antes do tempo, encurtem seus ciclos.
"Isso traz um prejuízo muito grande, do ponto de vista de produtividade, de aspecto, ou seja, esse clima com certeza vai trazer consequências de produtividade e de qualidade dos produtos agrícolas muito grande. Eu não tenho dúvida nenhuma disso.", relatou.
O especialista relata ainda que a consequência destes impactos é um resultado financeiro abaixo do esperado para o período para setor agrícola do Espírito Santo e do sudeste como um todo.
Torezani relata ainda que o período é atípico, uma vez que os meses de outubro, novembro e dezembro costumam ser de bastante de chuva. Para ele, a chuva é necessária, mas as precipitações precisam ser normais.
Isso porque chuvas intensas podem prejudicar não somente plantações, mas causar danos urbanos, como aconteceu recentemente no sul do país.
De acordo com ele, para minimizar os impactos das altas temperaturas, é necessário não somente utilizar tecnologias, mas também, a medidas sustentáveis de plantio e preservação de água.
"A forma que a gente tem para minimizar esses efeitos é trabalhar todo um contexto de agricultura tropical. A gente precisa pensar em preservação de água. A gente precisa pensar no uso e conservação dos nossos solos. A gente precisa pensar em cultivar com mais cobrimento vegetal para minimizar os efeitos das altas temperaturas do solo, enfim, são uma série de providências que deveriam ser tomadas para minimizar o efeito dessas altas temperaturas, porque infelizmente a agricultura é uma atividade que se faz a céu aberto, em pleno sol, em campo aberto, e a gente está sujeito a esses intempéries, ao risco do negócio", finalizou.
Impactos na indústria pecuária
Não somente no solo e nas plantas, mas também os animais que dependem deles para sobreviver sentem seus impactos, como os que são criados em fazendas para abastecer a indústria pecuária capixaba.
Para Renata Erler, especialista em gestão pecuária 360º, proprietária da empresa Go On Agro, o momento para os produtores é de pensar em questões econômicas e viáveis para manter a saúde do gado e dos pastos.
O calor intenso pode afetar diretamente a qualidade das plantas utilizadas para tratar o gado, mas tratar os animais com ração, é uma opção anti-econômica, como explica a especialista.
"Tratar o animal com ração porque o capim acabou, é uma atitude anti-econômica, e o produtor terá prejuízo. Ele precisa avaliar qual é a capacidade de suporte da fazenda dele, trabalhar com a taxa de lotação possível, e aí sim, tratar alguns animais com ração de forma estratégica. Se corrigir a taxa de lotação, não vai faltar capim", explicou.
As altas temperaturas, como explica Erler, podem afetar também diretamente na capacidade de suporte da fazenda, o que exigiria uma redução do rebanho. Caso esta redução não aconteça, os animais não terão bom desempenho e perderão peso.
Além disso, há o risco de degradação do solo, o que pode acarretar em uma reforma futura. Aliada à falta de desempenho do gado e da perda de peso dos animais, a degradação colabora para perdas significativas ao pecuarista.
"Para exemplificar em números de forma simples, em uma fazenda sem capim, tratando o boi com ração, ele terá um custo em torno de R$ 9,20/cab ao dia para manter o animal, sem ganho de peso. Ou seja, em 100 bois, ele perde R$ 920 por dia ou 27.600 ao mês. Com certeza essa não pode ser a primeira opção", disse.
O bem-estar dos animais também pode ser afetado pela onda de calor. A especialista explica que devido ao estresse calórico, os animais reduzem tempo de pastejo, por conseguinte, perde peso.
Além disso, com o fim do período seco, o gado precisa andar mais à procura de comida, isso significa que os pastos já estão mais baixos, sem capacidade de rebrota, pois não há chuva.
De acordo com a especialista, para remediar a situação é necessário avaliar a situação das pastagens e entender qual é a capacidade de suporte ideal de cada uma.
"O primeiro passo é avaliar a situação atual das pastagens e entender qual é a capacidade de suporte ideal. Com essa informação fundamental, ações como antecipar venda, fazer parceria com confinamento de alguns animais ou confinamento próprio, preparar alguns pontos de sombra, suplementação estratégica e outras. Aí de acordo com suas particularidades, cada fazenda terá um plano"
O que diz o Incaper
De acordo com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), apesar do calor intenso, a previsão para os próximos para o Espírito Santo ainda é otimista.
Segundo o meteorologista Hugo Ramos, ainda que o calor seja muito atribuído ao fenômeno El Niño, que altera a distribuição de temperatura na superfície da água no Oceano Pacífico, este fenômeno não atinge o fluxo de chuva no Espírito Santo.
De acordo com ele, os efeitos do El Niño são mais sentidos nas regiões amazônicas, na região leste do nordeste do país e no sul do Brasil.
O meteorologista explica que o calor é causado por uma massa de ar quente que impede o avanço da frente fria e inibe a formação de nuvens de chuva, o que não tem relação direta com o El Niño.
Segundo Ramos, o calor pode afetar as plantas de maneiras diferentes durante o período.
"Vai depender da questão do porte das plantas. Em plantas de ciclo curto, como o milho, e hortaliças em que a cultura se desenvolve rápido, essa falta de água pode prejudicar o desenvolvimento do fruto, prejudicar a qualidade final", disse.
Para plantas de ciclo longo, como o café e o mamão, a previsão do meteorologista é mais otimista, ele acredita que as safras não devem ser prejudicadas.
"As plantas de ciclo longo, café, mamão, frutos que têm um processo de desenvolvimento anual, a questão da oferta do café tem uma bienalidade, esse tipo de avaliação não tem como aferir no curto prazo, pelo fato de ser um ciclo longo, pode retardar um processo, mas não significa dizer que vai afetar na produtividade", afirmou.
O especialista lembra ainda que no período de julho a agosto de 2023, conhecido por ser mais seco, houve grande volume de chuva, o que transformou a época em outro período atípico e que as chuvas devem retornar em dezembro e janeiro, o que deve ajudar na cultura pecuária.
"Em relação à pecuária, a gente teve um período seco bastante chuvoso, a grama tem um sistema radicular curto, consegue buscar água a pouca profundidade do chão, nos meses secos tivemos um período chamado de seca verde. Os prognósticos climáticos mostram que de dezembro a janeiro a gente tem uma normalização das chuvas", finalizou.
Folha Vitória