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Autismo e música: ensino de piano adaptado inclui e desenvolve crianças

Com abordagens adaptadas e personalizadas, o ensino de piano a crianças e jovens no espectro autista mostra-se uma ferramenta poderosa de inclusão e desenvolvimento

Por Regional ES

03/11/2024 às 05:22:50 - Atualizado há poucos minutos

A inclusão musical através do piano torna-se uma ferramenta poderosa de desenvolvimento motor, emocional e social para jovens no espectro autista. Foto: Freepik

O ensino de piano e teclado para crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem se revelado um importante instrumento de inclusão e crescimento pessoal. Rosiane B. Santa Clara Calenti, professora de música com mais de 20 anos de experiência atuante em Guarapari, e Etna Marzolla Gutierres, terapeuta ocupacional e coordenadora da pós-graduação em Educação Musical Inclusiva, no estado do Mato Grosso do Sul, compartilham suas experiências no uso da música para apoiar o desenvolvimento emocional, motor e cognitivo de alunos no espectro autista.

Para Rosiane, a música é uma ferramenta de transformação, que ajuda crianças autistas a se conectarem consigo mesmas e com o mundo ao redor. Já Etna, que recentemente apresentou um estudo de caso sobre o impacto do ensino de piano em jovens com autismo e deficiência intelectual grave, destaca o papel da "aprendizagem significativa" no progresso de seus alunos.

As duas educadoras compartilham a visão de que o ensino de piano precisa ser adaptado às necessidades e ao ritmo de cada criança. Rosiane explica que utiliza técnicas sensoriais e adapta cada aula conforme os interesses específicos de cada aluno, incluindo atividades visuais, auditivas e táteis. "É crucial seguir o ritmo do aluno, respeitando o tempo que ele necessita para cada etapa do aprendizado," conta a professora.

Já Etna adota o método de ensino por imitação, essencial para alunos que se sentem mais confortáveis observando e repetindo movimentos. Em seu estudo de caso, ela detalha como adaptou o ensino de piano para João, um jovem com TEA, através de músicas que ele já conhecia. Esse método facilitou a compreensão dos conceitos musicais, aproveitando a familiaridade dele com as canções como forma de conexão e engajamento com o instrumento.

A relevância do repertório musical é um ponto comum nas abordagens de Rosiane e Etna. Rosiane utiliza as músicas de "hiperfoco" dos alunos, aquelas que despertam maior interesse neles, para motivar e engajar durante as aulas. "O uso dessas canções torna o aprendizado mais fluido e agradável, criando um vínculo maior entre o aluno e a prática musical," explica Rosiane.

Etna também observou os benefícios do uso de repertórios significativos. Em uma das etapas do ensino de João, ela usou uma música relacionada ao Flamengo, time do coração do aluno, e viu um grande progresso na sua capacidade de tocar de forma alternada com ambas as mãos. Essas conquistas foram cruciais para o avanço de João no piano, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de sua coordenação motora e atenção.

Ensinar música para crianças no espectro autista envolve desafios, como as variações de atenção e a necessidade de constante motivação, pontos que Rosiane destaca em sua prática. A professora afirma que adapta o ritmo das aulas e introduz elementos novos quando necessário, para que o aluno se mantenha interessado e engajado. Etna também enfrenta desafios semelhantes, especialmente ao trabalhar com alunos que possuem dificuldades motoras significativas. No caso de João, Etna começou com instrumentos de percussão para desenvolver sua compreensão rítmica e, gradualmente, introduziu o piano.

Com o tempo, João alcançou progresso notável. Ele aprendeu a tocar peças com sequências de notas mais complexas e, no recital de 2023, foi capaz de se apresentar sozinho, um feito que emocionou sua família e amigos. Esse momento foi significativo para João, não apenas por ser uma demonstração de seu desenvolvimento técnico, mas por ser um marco na sua autoconfiança e capacidade de expressão.

Para Rosiane, o impacto do piano no desenvolvimento social e emocional de seus alunos vai além das habilidades musicais. "A música permite que eles expressem sentimentos que nem sempre conseguem verbalizar," diz. A interação durante as aulas, o ato de tocar em grupo e a experiência de ouvir e repetir melodias oferecem um espaço de acolhimento e expressão. Essa abordagem fortalece o vínculo entre a professora e o aluno, promovendo uma interação social natural que, com o tempo, desenvolve a empatia e a compreensão mútua.

Etna reforça essa visão, afirmando que o desenvolvimento de João exemplifica os benefícios emocionais que a música pode proporcionar. Cada novo passo que ele dava na prática musical não apenas ampliava seu repertório, mas também fortalecia sua capacidade de comunicação e expressão emocional. "O progresso dele é uma prova do poder que a prática musical possui em transformar vidas," comenta Etna, observando como João, ao longo de cinco anos, transformou sua relação com a música em um meio de autoconhecimento e conexão com o outro.

A experiência de Rosiane Calenti e Etna Gutierres com o ensino de piano a crianças e jovens no espectro autista exemplifica o poder transformador da música. Seja através de métodos que respeitam o ritmo e o hiperfoco do aluno, seja por meio de repertórios que ressoam com suas paixões, o piano revela-se mais que uma prática musical: é uma ferramenta de desenvolvimento cognitivo, motor e emocional.

O progresso contínuo desses alunos, sob a orientação cuidadosa de profissionais dedicadas, demonstra que a inclusão através da música não apenas permite o aprendizado de novas habilidades, mas também fortalece a autoconfiança e a expressão emocional, transformando vidas e abrindo caminhos para um futuro de conquistas e de inclusão verdadeira.