Conforme documentos do instituto, a construção é de propriedade da Tecfort, construtora que atua no munícipio de Anchieta
Um laudo emitido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em setembro deste ano, revelou a construção de um empreendimento comercial em uma área em que está localizado um sítio arqueológico pré-histórico, anterior a 1500, em Anchieta, no Litoral Sul do Espírito Santo.
A construção, que se trata de um galpão metálico de 368 metros quadrados e de um escritório, é propriedade da Tecfort, construtora que atua no munícipio e que, de acordo com dados consultados no portal da Receita Federal nesta sexta-feira (22), pertence a Ramon Albani de Souza.
O empreendimento, de acordo com documentos do Iphan, teria destruído parte de uma área com resquícios de civilizações pré-históricas.
Ramon é filho de Carlos Waldir Mulinari de Souza (MDB), atual vice-prefeito da cidade. Há, inclusive, registros nas redes sociais que comprovam isso. Veja abaixo:
Ainda na quarta-feira, o Iphan confirmou as mesmas informações à reportagem do Folha Vitória, bem como encaminhou os laudos que embasaram a denúncia.
Em um laudo de vistoria datado de 27 de setembro deste ano, ao qual o Folha Vitória também teve acesso, o Iphan narra como descobriu a edificação na área que é caracterizada pelo órgão como um sítio pré-colonial a céu aberto, relacionado aos Tupiguaranis, "onde é possível observar a presença de artefatos míticos lascados, líticos polidos, malacológicos, cerâmica com decoração policromada ou plástica e restos humanos."
A visita ao Porto do Mandoca tinha como principal objetivo avaliar a existência de um sambaqui (espécie de montanha erguida por povos pré-históricos e que guardam vestígios arqueológicos), bem como os possíveis impactos causados neste sítio pela implantação de uma estação de tratamento de esgoto da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) no local.
Os fiscais ainda relatam, no documento, que ao chegarem ao local, identificaram a realização de obras de construção de uma edificação comercial, composta por um escritório e um galpão metálico, cuja propriedade é a empresa Tecfort Construtora Ltda.
O laudo de vistoria divulgado pelo Iphan também informa que ao adentrarem o portão do empreendimento que estava sendo construído no terreno em que está situado o sítio arqueológico, os fiscais se depararam com homens trabalhando no local.
- Alvará de Construção nº067/2023, assinado pelo Gerente Operacional de Fiscalização de Obras e Posturas, autorizando a Tecfort construir a edificação;
- Informativo de "Obra Legalizada", também assinada pelo Gerente Operacional de Fiscalização de Obras e Posturas, com indicações das características do empreendimento, o proprietário e o responsável técnico.
Veja abaixo os documentos encontrados pelos fiscais do Iphan:
Material arqueológico encontrado no entorno da obra
Ao caminhar pelo entorno da obra, a fiscalização percebeu que o local da construção havia sido aterrado em aproximadamente um metro de altura.
Os fiscais não encontram indícios de material arqueológico no interior do empreendimento. No entanto, ao começarem a caminhar ao redor do terreno em que a construção estava sendo erguida na ocasião, sinais de peças e instrumentos pertencentes a povos pré-históricos começaram a surgir, conforme o laudo Iphan.
"Posteriormente, começamos a caminhar ao redor da edificação, quando identificamos, no lado esquerdo (em maior proporção) e no lado direito (em menor escala) a presença de material arqueológico, composto basicamente por cerâmicas com decoração pintada, que podem ser filiadas à tradição Tupiguarani, fragmentos de material lítico, compostos principalmente por lascas, além de solo com características antrópicas e presença de fragmentos de conchas", diz trecho do documento.
Por fim, os fiscais do Iphan pontuam, no laudo, que encontraram Ramon no local da obra. Ele teria se identificado como proprietário do terreno e também responsável pelo empreendimento.
A equipe do Iphan ainda acrescenta que o empresário foi informado de que a obra foi realizada sobre um sítio arqueológico, e que o prefeitura havia se equivocado ao dar a licença para construção no local, já que corre, ainda de acordo com o instituto, na Justiça federal uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), para avaliar os danos ao sítio arqueológico "Bota Fora / Rio Una I".
"A última movimentação do processo, informei ao senhor Ramon, era justamente o resgate do sítio arqueológico que agora encontra-se parcialmente destruído, logo, a construção poderia ser caracterizada como um dano", diz um dos fiscais do Iphan no laudo.
Procurada para comentar as informações reveladas no laudo elaborado pelo Iphan, a Prefeitura de Anchieta respondeu, nesta sexta-feira, afirmando que, segundo ela, nem o instituto sabe ao acerto a abrangência da área caracterizada como sítio arqueológico, por se tratar de uma descoberta recente.
O Executivo municipal ainda ressaltou estar sendo elaborado um estudo para que a área seja identificada e delimitada.
No texto da mesma resposta encaminhada nesta sexta, a prefeitura alega que a empresa que ergueu o empreendimento no terreno do sítio arqueológico não sabia da situação, tendo iniciado "os procedimentos normais para a construção de um galpão para guardar veículos e ferramentas".
A proposta seria utilizar o galpão para armazenar equipamentos. Segundo a Prefeitura de Anchieta, para esse tipo de construção não há necessidade de licenciamento ambiental.
O Executivo municipal ainda sustenta que a Secretaria de Meio Ambiente do município chegou a enviar ofício para Iphan, tratando sobre o assunto, "porém diante das incertezas relacionadas à então provável existência do sítio, foi emitido o alvará para construção".
A prefeitura finaliza dizendo que foi notificada notificada sobre as denúncias e que está acompanhando os trabalhos do Iphan, para que seja descoberta a área exata de abrangência do sítio.
Ramon Albani foi procurado durante toda a tarde desta sexta-feira, por meio dos telefones relacionados à empresa da qual é proprietário, mas não retornou aos contatos até o fechamento deste texto. O espaço segue aberto para as devidas manifestações.