A Justiça concedeu a uma família de Vitória a possibilidade de registrar os nomes de três pais e uma mãe na certidão de nascimento do filho, um menino de 10 anos.
Registro de criança: relação afetiva foi estabelecida
O que era para ser algo esporádico, tornou-se corriqueiro e regular, o que criou entre o casal e a criança uma relação afetiva.
Esses laços se estreitaram ainda mais quando os pais biológicos do menino se separaram, quando ele tinha apenas 1 ano e 6 meses, o que fez com que morasse em tempo integral com o tio e o marido.
De acordo com a advogada de família e presidente do Instituto de Direito de Família do Espírito Santo (IBDFAM-ES), Ana Paula Morbeck, a participação do casal homoafetivo na criação do menino foi fundamental.
"Com o rompimento dos pais biológicos da criança, a mesma passou a viver de forma integral com o casal homoafetivo, que cuidaram de sua saúde, estudos, alimentação, lazer, dando a ele também todo amor e segurança para o seu desenvolvimento saudável", disse.
Primeiro pedido negado pela Justiça
A advogada relata que com o passar dos anos, após a entrada da criança na escola, o menino se tornava ainda mais convicto de sua realidade de ter três pais e uma mãe.
Foi então que surgiu por parte de todos os envolvidos o desejo por uma oficialização.
Em 2019, todos os envolvidos entraram com uma ação judicial para incluir os dois novos nomes na certidão de nascimento do menino, o que acabou sendo negado à época.
Isso porque para o promotor de justiça e para a juíza de primeiro grau, a mudança só poderia ser feita por meio de um processo de adoção, o que não era o desejo dos pais e nem da criança, segundo Morbeck.
"Esse não era o desejo das partes, porque a criança reconhece seus pais biológicos e os considera como tais, em que pese ter vínculos fortalecidos com os pais socioafetivos", relatou.
Após uma apelação cível, no entanto, foi reconhecido o direito dos pais socioafetivos de terem seus nomes registrados na certidão de nascimento do menino, ao lado dos pais biológicos. A decisão ocorreu no dia 21 de janeiro.
Decisão pode inspirar outras famílias, diz advogada
Apesar de não ser uma nomenclatura muito conhecida, a filiação socioafetiva é relativamente comum. Ela se dá quando a paternidade ou maternidade de alguém é reconhecida com base no afeto, sem necessidade de parentesco sanguíneo.
Essa foi a modalidade escolhida pelos quatro pais e também a que levou em consideração os próprios desejos da criança.
Apesar disso, há questões bastante inovadoras na forma como o caso foi tratado, segundo a advogada. Além de se tratar de uma vitória inédita no Brasil, o que ela acredita que pode inspirar outras famílias a conquistarem esse direito.
"O que foi levado em consideração no julgamento, foi a realidade da vida vivida, a condição da criança, o cerco de amor, afeto e cuidado que a criança desfruta ao lado dos pais socioafetivos, não deixando dúvidas sobre a sua estrutura familiar com três pais e uma mãe na sua vida. Tenho certeza que servirá para outras famílias"
Reconhecimento e visibilidade
Para Morbeck, a decisão representa o reconhecimento de que famílias comportam várias formas, vários tipos e fortalece os vínculos de afeto. Segundo ela, isso garante segurança jurídica, inclusão e diversidade aos núcleos familiares.
Esse sentimento foi expressado também por um dos pais socioafetivos, que após a decisão favorável, relatou que a família foi enxergada pelo Estado.
Um dos pais socioafetivos, ao receber a notícia do provimento da apelação, disse que finalmente ele, o marido e a criança foram enxergados pelo Estado e que dessa forma seu filho poderá ter mais segurança para transitar e viver nesse mundo, com menos medo de se apresentarem como núcleo familiar. Foi muito emocionante participar, uma grande honra, porque é um processo cheio de amor.
Folha Vitória