Mundo Para dar fim à pandemia

Vacinas de mucosa, como as nasais, são o novo "front" para dar fim à pandemia

Mais de cem imunizantes em desenvolvimento têm foco nas vias de entrada do vírus no corpo. Combate a outras infecções se beneficiam da tecnologia

Por Regional ES

11/09/2022 às 10:19:23 - Atualizado há
Mais de cem imunizantes em desenvolvimento têm foco nas vias de entrada do vírus no corpo. Combate a outras infecções se beneficiam da tecnologia

Na última semana, a China aprovou a primeira vacina nasal contra a Covid-19 do mundo. Apesar do ineditismo, esse é um caminho que vem sendo trilhado há um certo tempo.


O imunizante Convidecia, desenvolvido pela farmacêutica chinesa CanSino Biologics, é, na verdade, um entre mais de cem imunizantes nasais ou orais em desenvolvimento em todo o mundo para a doença. Desses, 20 já estão sendo testados em humanos e quatro (um na Índia, um no Irã e dois na China) encerraram os estudos de fase 3, de acordo com levantamento feito pela revista Nature. Pesquisas nessa linha estão sendo feitas nos Estados Unidos, Europa e mesmo Brasil, mas os resultados ainda devem demorar um ano ou dois.

Vacinas de mucosa, como são chamadas as orais e nasais, não são exatamente uma novidade. Primeiro é preciso entender o grande diferencial delas: o objetivo é desenvolver células imunológicas específicas nas cavidades dessas regiões — boca ou nariz e vias superiores em geral— que são a porta de entrada para alguns vírus. Assim, além da produção de anticorpos do tipo IgG, gerados pelas vacinas intramusculares, há a produção do anticorpo secretado do tipo IgA.


Há vacinas muito conhecidas que usam esse mecanismo, como a famosa gotinha da pólio. No primeiro ano de vida são dadas as três doses inativadas intramusculares que protegem da doença e, depois, vêm duas doses de reforço com vírus atenuado por via oral, explica a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai.

— São tecnologias já estudadas há muito tempo. Temos vacina nasal de vírus atenuado contra influenza usada nos Estados Unidos, por exemplo. E vacina oral existem duas aqui: a de rotavírus e a da pólio — explica.

O vírus da pólio se replica na mucosa da boca e depois infecta o intestino. Por isso, o reforço visa evitar a infecção. Em tese, esse seria o mecanismo por trás da vacina nasal contra a Covid: doses intramusculares que evitem hospitalizações e mortes e aplicações nasais que impeçam o Sars-CoV-2 de invadir o organismo.


— A ideia das vacinas de mucosa, nasais ou orais, é barrar a entrada de microrganismos. As vacinas que a gente tem hoje para a Covid-19 servem para evitar doença grave, as de mucosa são uma aposta para conseguir a tão sonhada imunidade esterilizante, sendo potencialmente capazes de reduzir contágio e transmissão — diz Natalia Pasternak, colunista do GLOBO e presidente do Instituto Questão de Ciência.

A microbiologista explica que, embora promissoras, há ressalvas sobre essas vacinas. A Flumist, contra influenza, aplicada nos EUA, é usada com eficácia em crianças, mas não deu tão certo com adultos, provavelmente em razão de uma imunidade prévia ao vírus, conquistada após diversas gripes.

O imunizante Convidecia será usado como reforço na China, mas os resultados dos estudos realizados ainda não estão disponíveis para a comunidade científica internacional.


— Existe expectativa e certa urgência em torno das vacinas de mucosa para conseguir resolver a pandemia de forma mais efetiva. Já sabemos que em animais elas conseguiram realmente diminuir a transmissão. Mas é preciso demonstrar que geram anticorpos específicos de mucosa, do tipo IgA, e ainda não sabemos a quantidade necessária para quebrar o contágio. Não temos resultados finais ainda— pondera Pasternak.

Estudo em camundongos realizado por pesquisadores da Universidade de Yale descobriu que um reforço intranasal (aplicado após uma dose de vacina convencional) de uma vacina de mRNA induziu a imunidade de mucosa e protegeu completamente os animais de um nível letal de exposição ao coronavírus. O reforço intramuscular não teve o mesmo efeito.

No universo das vacinas, há pesquisas que vão além das versões intramusculares ou de mucosa. No fim de julho, um estudo publicado na revista Vaccine, conduzido por pesquisadores da Universidade de Queensland em parceria com o laboratório de biotecnologia Vaxxas, ambos na Austrália, revelou que uma vacina aplicada por meio de um adesivo foi aproximadamente 11 vezes mais eficaz contra a variante Ômicron do coronavírus, quando comparada com uma agulhada do mesmo imunizante.

A tecnologia ainda requer que o laboratório amplie a capacidade de fabricação da vacina para conduzir ensaios clínicos de larga escala e atestar sua eficácia em humanos.

— Na pele existem muitas células, que chamamos de receptoras, e são fundamentais para uma resposta robusta. Então, a pele também é considerada uma via potente — explica Ballalai.

O formato de adesivos, porém, ainda é muito novo. Vacinas na pele existem, mas ainda não dispensam agulhas. Um exemplo, lembra a especialista, é a vacina BCG, muito eficaz para as formas graves de tuberculose. Aplicada em recém-nascidos, ela é intradérmica, com a agulha bem paralela à pele — fazendo uma bolinha no bracinho e deixando uma marca de proteção para sempre.

Fonte: O Globo
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